Prosa crítica de: VINÍCIUS DE
MORAES
"A mim me parece um disparate que exista mar em seu
nome, porque um nada tem a ver com o outro. No dia em que "o sertão virar
mar", como na cantiga, minha impressão é que Elomar vai juntar seus bodes,
de que tem uma grande criação em sua fazenda "Duas Passagens", entre
as serras da Sussuarana e da Prata, em plena caatinga baiana, e os irá tangendo
até encontrar novas terras áridas, onde sobrevivam apenas os bichos e as
plantas que, como ele, não precisam de umidade para viver; e ali fincar novos
marcos e ficar em paz entre suas amigas as cascavéis e as tarântulas, compondo
ao violão suas lindas baladas e mirando sua plantação particular de estrelas
que, no ar enxuto e rigoroso, vão se desdobrando à medida que o olhar se
acomoda ao céu, até penetrar novas fazendas celestes além, sempre além, no
infinito latifúndio. Pois assim é Elomar Figueira de Melo: um príncipe da
caatinga, que o mantém desidratado como um couro bem curtido, em seus 34 anos
de vida e muitos séculos de cultura musical, nisso que suas composições são uma
sábia mistura do romanceiro medieval, tal como era praticado pelos
reis-cavalheiros e menestréis errantes e que culminou na época de Elizabeth, da
Inglaterra; e do cancioneiro do Nordeste, com suas toadas em terças plangentes
e suas canções de cordel, que trazem logo à mente os brancos e planos caminhos
desolados do sertão, no fim extremo dos quais reponta de repente um cego
cantador com os olhos comidos de glaucoma e guiado por um menino - anjo a
cantar façanhas de antigos cangaceiros ou "causos" escabrosos de
paixões espúrias sob o sol assassino do agreste.
Elomar nasceu em Vitória da Conquista, cidade que também deu
vez a Glauber Rocha e Zu Campos, e depois de formar-se em arquitetura pela
Universidade Federal da Bahia, ocupa atualmente o cargo de Diretor de Urbanismo
em sua cidade. Mas do que gosta realmente é de sua caatingueira, uma das mais
ásperas do sertão brasileiro, onde cria bodes e carneiros. Já me foi contado
que um de seus reprodutores, o famoso bode "Francisco Orellana",
quando a umidade do ar apresenta seus índices mais baixos - que usualmente é 10
graus - senta-se em posição estratégica sobre as patas traseiras e não se peja
de urinar na própria boca, de modo a aproveitar, num instintivo e engenhoso
recurso ecológico, a própria água do corpo para dessedentar-se.
E tem a onça. Vez por outra, a madrugada restitui a carcaça
sangrenta de um bode ou um carneiro, e todas as preocupações cessam, a não ser
chumbar a bicha. E a conversa entre os fazendeiros fica sendo apenas essa: onça,
suas manias, suas manhas, seus pontos fracos.
Todo mundo se oncifica. Elomar sai à noite para tocaiá-la, e
quando a avista só atira nela de frente. - Um bicho que vem de tão longe para
matar meus bodes, esse eu respeito! - diz ele em seu sotaque matuto (apesar da
boa cultura geral que tem) e que faz questão de não perder por nada, enojado
que está da nossa suposta civilização.
Quando lhe manifestei desejo de passar uns dias em sua
companhia e de sua família (Elomar é casado e tem um par de filhos, sendo que a
menina tem o lindo nome de Rosa Duprado) para descobrir, em sua companhia e ao
som do excelente violão que toca, essas estrelas reconditas que já não se
consegue mais ver nos nossos céus poluídos, Elomar me disse: - Pode vir quando
quiser. Deixe só eu ajeitar a casa, que não está boa, e afastar um pouco dali
minhas cascavéis e minhas tarântulas...
É... Quem sabe não vai ser lá, no barato das galáxias e da
música de Elomar, que eu vou acabar amarrando um bode definitivo e ficar
curtindo uma de pastor de estrelas..."
Abril de 1973
Que beleza de homenagem aqui! Valeu! abraços, bom te ver! chica
ResponderExcluirRicardo, meu querido e velho amigo e não amigo velho (rs)!
ResponderExcluirQue é feito de você, garoto? Tá tudo ou quase bem por aí? Aqui, tudo satisfatório.
Essa "LUZNOPAPEL", que você escreveu, e que bem escreveu, olha, acho que estou de acordo com você. O "homni" é todo terra, FAZENDA, dela e com ela vive, a ama, e sem ela não sabe viver, então por que razão ter no nome dele mar? Ricardinho, mas você sabe que por ai há nomes dos mais bizarros, k possamos imaginar. O seu é "normal" e bem lindo.
Grata por tua passagem e comentário em meu blog.
Beijos e bom fim de semana.
Bem, a gente, esse ano, ainda não se tinha contatado, então: UM GRANDÃO E FELIZ ANO NOVO!
ResponderExcluirTudo de bom pra você e família.
Ricardo. maravilhosa e linda homenagem.
ResponderExcluirSaudades suas.
Beijinhos de Luz!
AnaMaria
Oi, Ricardo!
ResponderExcluirTudo bem? Sei k o Outono chegou por aí, mas a terra é redonda (rs)!
Aguardo novo post seu, qdo for possível.
Beijos e bom domingo!
Olá Ricardo,
ResponderExcluirRetornando e passeando por suas postagens anteriores e olha o que encontro uma linda homenagem a Elomar, eu moro em Vitória da Conquista e ele é realmente um ilustre filho da terra, algumas vezes tive o prazer de estar próxima a ele, é difícil conseguir entrevista com ele, não gosta de ser fotografado e até em homenagens ele não gosta de aparecer, simples e reservado sempre.
Desejo-lhe uma ótima semana que se inicia.
beijos
Joelma