25 de mar. de 2017

ELOMAR: O VERDADEIRO TROVADOR BRASILEIRO




Prosa crítica de: VINÍCIUS DE MORAES

"A mim me parece um disparate que exista mar em seu nome, porque um nada tem a ver com o outro. No dia em que "o sertão virar mar", como na cantiga, minha impressão é que Elomar vai juntar seus bodes, de que tem uma grande criação em sua fazenda "Duas Passagens", entre as serras da Sussuarana e da Prata, em plena caatinga baiana, e os irá tangendo até encontrar novas terras áridas, onde sobrevivam apenas os bichos e as plantas que, como ele, não precisam de umidade para viver; e ali fincar novos marcos e ficar em paz entre suas amigas as cascavéis e as tarântulas, compondo ao violão suas lindas baladas e mirando sua plantação particular de estrelas que, no ar enxuto e rigoroso, vão se desdobrando à medida que o olhar se acomoda ao céu, até penetrar novas fazendas celestes além, sempre além, no infinito latifúndio. Pois assim é Elomar Figueira de Melo: um príncipe da caatinga, que o mantém desidratado como um couro bem curtido, em seus 34 anos de vida e muitos séculos de cultura musical, nisso que suas composições são uma sábia mistura do romanceiro medieval, tal como era praticado pelos reis-cavalheiros e menestréis errantes e que culminou na época de Elizabeth, da Inglaterra; e do cancioneiro do Nordeste, com suas toadas em terças plangentes e suas canções de cordel, que trazem logo à mente os brancos e planos caminhos desolados do sertão, no fim extremo dos quais reponta de repente um cego cantador com os olhos comidos de glaucoma e guiado por um menino - anjo a cantar façanhas de antigos cangaceiros ou "causos" escabrosos de paixões espúrias sob o sol assassino do agreste.
Elomar nasceu em Vitória da Conquista, cidade que também deu vez a Glauber Rocha e Zu Campos, e depois de formar-se em arquitetura pela Universidade Federal da Bahia, ocupa atualmente o cargo de Diretor de Urbanismo em sua cidade. Mas do que gosta realmente é de sua caatingueira, uma das mais ásperas do sertão brasileiro, onde cria bodes e carneiros. Já me foi contado que um de seus reprodutores, o famoso bode "Francisco Orellana", quando a umidade do ar apresenta seus índices mais baixos - que usualmente é 10 graus - senta-se em posição estratégica sobre as patas traseiras e não se peja de urinar na própria boca, de modo a aproveitar, num instintivo e engenhoso recurso ecológico, a própria água do corpo para dessedentar-se.
E tem a onça. Vez por outra, a madrugada restitui a carcaça sangrenta de um bode ou um carneiro, e todas as preocupações cessam, a não ser chumbar a bicha. E a conversa entre os fazendeiros fica sendo apenas essa: onça, suas manias, suas manhas, seus pontos fracos.
Todo mundo se oncifica. Elomar sai à noite para tocaiá-la, e quando a avista só atira nela de frente. - Um bicho que vem de tão longe para matar meus bodes, esse eu respeito! - diz ele em seu sotaque matuto (apesar da boa cultura geral que tem) e que faz questão de não perder por nada, enojado que está da nossa suposta civilização.
Quando lhe manifestei desejo de passar uns dias em sua companhia e de sua família (Elomar é casado e tem um par de filhos, sendo que a menina tem o lindo nome de Rosa Duprado) para descobrir, em sua companhia e ao som do excelente violão que toca, essas estrelas reconditas que já não se consegue mais ver nos nossos céus poluídos, Elomar me disse: - Pode vir quando quiser. Deixe só eu ajeitar a casa, que não está boa, e afastar um pouco dali minhas cascavéis e minhas tarântulas...
É... Quem sabe não vai ser lá, no barato das galáxias e da música de Elomar, que eu vou acabar amarrando um bode definitivo e ficar curtindo uma de pastor de estrelas..."

Abril de 1973


6 comentários:

  1. Que beleza de homenagem aqui! Valeu! abraços, bom te ver! chica

    ResponderExcluir
  2. Ricardo, meu querido e velho amigo e não amigo velho (rs)!

    Que é feito de você, garoto? Tá tudo ou quase bem por aí? Aqui, tudo satisfatório.

    Essa "LUZNOPAPEL", que você escreveu, e que bem escreveu, olha, acho que estou de acordo com você. O "homni" é todo terra, FAZENDA, dela e com ela vive, a ama, e sem ela não sabe viver, então por que razão ter no nome dele mar? Ricardinho, mas você sabe que por ai há nomes dos mais bizarros, k possamos imaginar. O seu é "normal" e bem lindo.

    Grata por tua passagem e comentário em meu blog.

    Beijos e bom fim de semana.

    ResponderExcluir
  3. Bem, a gente, esse ano, ainda não se tinha contatado, então: UM GRANDÃO E FELIZ ANO NOVO!

    Tudo de bom pra você e família.

    ResponderExcluir
  4. Ricardo. maravilhosa e linda homenagem.
    Saudades suas.
    Beijinhos de Luz!
    AnaMaria

    ResponderExcluir
  5. Oi, Ricardo!

    Tudo bem? Sei k o Outono chegou por aí, mas a terra é redonda (rs)!

    Aguardo novo post seu, qdo for possível.

    Beijos e bom domingo!

    ResponderExcluir
  6. Olá Ricardo,
    Retornando e passeando por suas postagens anteriores e olha o que encontro uma linda homenagem a Elomar, eu moro em Vitória da Conquista e ele é realmente um ilustre filho da terra, algumas vezes tive o prazer de estar próxima a ele, é difícil conseguir entrevista com ele, não gosta de ser fotografado e até em homenagens ele não gosta de aparecer, simples e reservado sempre.
    Desejo-lhe uma ótima semana que se inicia.
    beijos
    Joelma

    ResponderExcluir